Quando contei, na semana passada, que a Rita Lee tinha feito uma música com letra de um artigo que escrevi sobre "amor e sexo", choveram e-mails pedindo o texto. Fiquei feliz com a música (que é linda) e porque me senti coadjuvante dessa luz que ela acendeu na cultura brasileira. Rita é um caso sério. Ela brilha, purpurina, avermelha, cintila, se traveste, cresce e diminui, incha e emagrece mas, no fundo, ela é um caso sério. Ela faz essa visagem toda para nos fazer engolir uma dourada pílula: sua importância cultural e política no País. Rita tirou São Paulo da caretice, foi a guerreira da alegria durante a ditadura pois, em 68, ela estava de noiva, florida, com caras e bocas, mutante, provando que, marchassem ou não os soldados, sua metamorfose continuaria e que sua alegria, alegria, era mesmo a prova dos noves.
Rita não é só para ser ouvida; seus shows são um comício. A liberdade fica ali na cena, de back vocal, enquanto a Pátria, de botas e cabelo punk, dança rock, seguindo-a pelo palco como um Pluft. Eu não entendo de música, mas vejo a Rita aprontando há 30 anos, menina teimosa, sozinha, atacando o óbvio. Mas, seu protesto nunca foi chato, sua superficialidade é profunda.
Como Rita é original... ninguém é como ela no Brasil... Me lembro quando ela criou uma marca no braço, sei lá, "ritalee", como um Chevrolet, Shell, pois ela sabe que não somos um "sujeito único", muito antes dessas pós-modernidades aí. Ela é uma pré-Björk. Ela nunca cantou de um só ponto de vista, porque Rita são várias; no palco, ela parece um conjunto.
Rita é a "mina" das "minas" de Sampa, frágil e corajosa, do balacobaco. Por isso, orgulhoso, atendendo aos e-mails que pedem explicação sobre esses estranhos tremores, gemidos e espumas que chamamos de amor-sexo, "copidesquei" o antigo texto e o republico, com petulante jeito de quem sabe das respostas - ai de mim, pobre pierrô fingindo de arlequim!...
Aí vai o flash-back:
"Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão.
O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão.
Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno - depende da quantidade ingerida.
O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.
No sexo, o pensamento atrapalha.
O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude.
O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório. O seexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos.
O amor é mais narcisista, mesmo na entrega, na 'doação'. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo.
Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do 'outro'. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma 'mãozinha'. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não - é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. 'O sexo é uma selva de epilépticos' (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.
O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um cowboy - quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: 'Faça amor, não faça a guerra.' Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.
O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso até as 'saunas relax for men'. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século 12 e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias.
Não há 'saunas relax' para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um 'amorzinho' para iniciar. O amor virou um estímulo para o sexo.
O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa 'grandeza'. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há 'sexo seguro', mas não há camisinha para o amor.
O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo é o sonho dos casados. Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder.
Amor é de direita. Sexo, de esquerda - ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta."
E, por aí, vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos fazer esquecer a morte. Ou não; sei lá... E-mails de quem souber para a redação.
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