quinta-feira, 17 de maio de 2012
A humanidade sempre foi uma ilusão à toa
ESTOU DE SACO cheio; vou telefonar para o Nelson Rodrigues para ver se ele
me dá alguma luz, lá do céu. Disco o telefone preto. Não quero mais falar sobre esta
guerra santa, mas caio sempre neste tatear confuso, tentando raciocinar com as luzes do
bom senso, de causa e efeito, da psicologia. Mas o terror não se explica. Ali, entre o Tigre
e o Eufrates, é que nasceu o mundo e pode ser que acabe ali também. O telefone toca. Já
ouço as risadinhas dos serafins que ficam contando piadinhas de sacanagem.
— Nelson... sou eu, o Arnaldo...
— Você me ligando, rapaz... como um telefonista de si mesmo... Achei que tinha
me esquecido...
— Eu jamais te esqueço... mas estou apavorado com a História humana...
— Pára com isso, rapaz, a História não existe... Não é que a História acabou, como
disse aquele japonês do Pentágono; não, a História nunca existiu... Ela foi uma invenção
daquele alemão, o tal de Hegel, que, aliás, está ali sentado numa nuvem, chorando
lágrimas de esguicho numa cava depressão... O sujeito achava que a "história" se movia
em direção a uma "espiritualidade absoluta" e, de repente, descobre que meia dúzia de
malucos, cheirando a banha de camelo, com camisolas imundas e com a face alvar da
estupidez completa, está transformando a vida humana numa sinistra piada de português...
ah! ah!... A História humana é um pesadelo humorístico. Você achava que a vida era
movida pelas "relações de produção" e coisa e tal... Pois, está aí... a única coisa que existe
é a loucura humana... Aqueles macacos que, na Idade do Gelo, se esconderam numas
cavernas sujas pra não morrer de frio tiveram de inventar a tal da "linguagem", para
preencher o vazio entre eles e a natureza... O homem não é superior aos outros animais,
não. Ele é inferior, ele veio com defeito de fábrica... O Nietzsche, aquele cara esquisitão
que também anda por aqui, bigodudo, muito sério, falando sozinho, escreveu que "num
planeta distante, animais inteligentes inventaram o Conhecimento. Foi o instante mais
arrogante e mentiroso do universo. Mas, depois de alguns suspiros da Natureza, o planeta
acabou e os tais animais inteligentes morreram..." O Nietzsche é um craque... Sempre que
eu posso, tomo um cafezinho com ele.
— Mas Nelson, o herói suicida é invencível...
— Engraçado... todo mundo está impressionado com os suicidas... A coisa mais
fácil do mundo é o sujeito se matar, rapaz. Na minha infância profunda, toda semana,
casais de namorados se jogavam do Pão de Açúcar, os amantes faziam pactos de morte e
tomavam guaraná com formicida, as mocinhas ateavam fogo às vestes e se jogavam dos
prédios como busca-pés de São João... Era lindo... as mulheres suspirando por um
suicídio de amor...
— Mas esses caras acham que o suicídio leva ao céu... Aliás, você viu algum deles
por aí?
— Olha... a gente só vai para o céu em que acredita... Os árabes não vêm para cá...
Se bem que o paraíso deles até que não é longe... Outro dia, eu resolvi dar uma espiadinha
lá... Rapaz, parecia o baile do Bola Preta! Os terroristas eram como artistas de televisão,
dando autógrafos, cheios de macacas-de-auditório em volta. O Muhamad Atta, aquele
chefe-suicida, estava deitado numa cama de ouro e rubis, com odaliscas do Catumbi
rebolando a dança do ventre, ali, feito a Feiticeira... Tudo que eles jamais tiveram no
deserto eles têm aqui em cima.
"Pois, agora, rapaz, vou te dizer uma coisa 'social': os reis da Arábia Saudita, da
Líbia, do Iêmen, todos adoram que o inimigo seja o americano, vivem felicíssimos nos
seus palácios com cascatinhas artificiais e filhote de jacaré nadando dentro, enquanto os
miseráveis batem cabeça para Alá e não percebem que são os otários de Maomé... Isso é
que é o haxixe do povo!
— Nelson, você ficou marxista aí no céu...
— O Marx me chama de "reacionário", mas me ouve muito... Ele anda
chateadíssimo com as bobagens que escrevem sobre ele, inclusive amigos da Academia...
Eu disse para ele: "Olha, Marx, a burrice é uma força da natureza, feito o maremoto"...
Ele vive repetindo isso, achou uma graça infinita... Bom sujeito, o Marx...
— É... mas a História andou mil anos para trás...
— Rapaz, nunca saímos da barbárie... pensa bem... tivemos duas guerras mundiais
num século, sem contar Vietnã e coisa e tal... Se os alemães fizeram aquilo tudo, se os
americanos derreteram 150 mil em 30 segundos em Hiroshima, imagine aqueles
cretinos... Reparou que eles parecem um homem só ? Todos calmos, com a certeza da
verdade lhes iluminando a fisionomia... A loucura é calma, o louco não tem dúvidas... Por
isso, eles vão ganhar sempre... A razão é um luxo de franceses...
— Mas e o futuro da humanidade...
— O mundo nunca foi feliz... esse negócio de paz e felicidade global é invenção
do comércio americano... O que houve agora é que os terroristas jogaram a gente de volta
para dentro da tal "História". Além do mais, isso tinha de acontecer... Como o homem ia
suportar aquela paz americana, com tudo arrumadinho como um supermercado... A
loucura é a revolta do animal domesticado dentro de nós... Esse papo da Humanidade toda
dando milho para os pombos na praça é lero-lero... Deus não quer isso. Vai olhar a Bíblia,
o Torá; é tudo no "olho por olho"... Lembra a Inquisição? Deus é violento... (tô falando
baixo que ele tá ali perto consolando o Hegel) .
— Mas o ser humano...
— Rapaz... a humanidade é uma ilusão. "Tudo que é real é irracional, tudo que é
irracional é real." Se o mundo acabar, não se perde absolutamente nada...
— E nós?
— Agora sim, seremos o país do futuro. Graças a Deus, eles, os americanos, vão
nos esquecer um pouco... Aí, a gente pode ir construindo a nossa grande Bahia
intemporal, nosso Rio transcendental, nosso grande carnaval permanente. Finalmente, o
subdesenvolvimento servirá para alguma coisa...
— Deus te ouça, Nelson...
Assinar:
Postagens (Atom)